A EUCARISTIA.
Catecismo Maior de São Pio X
1. DA NATUREZA DA SANTÍSSIMA EUCARISTIA E DA PRESENÇA REAL DE JESUS CRISTO NESTE SACRAMENTO
A Eucaristia é um Sacramento que, pela admirável conversão de toda a substância do pão no Corpo de Jesus Cristo, e de toda a substância do vinho no seu precioso Sangue, contém verdadeira, real e substancialmente o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor, debaixo das espécies de pão e de vinho, para ser nosso alimento espiritual.
Na Eucaristia está verdadeiramente o mesmo Jesus Cristo que está no Céu e que nasceu, na terra, da Santíssima Virgem Maria.
Eu acredito que no Sacramento da Eucaristia está verdadeiramente presente Jesus Cristo porque Ele mesmo o disse, e assim no-lo ensina a Santa Igreja.
A matéria do Sacramento da Eucaristia é a que foi empregada por Jesus Cristo, a saber: o pão de trigo e o vinho de uva.
A forma do Sacramento da Eucaristia são as palavras usadas por Jesus Cristo: ‘Isto é o meu Corpo; este é o meu Sangue.
A hóstia antes da consagração é pão de trigo. Depois da consagração, a hóstia é o verdadeiro Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, debaixo das espécies de pão.
No cálice antes da consagração está vinho com algumas gotas de água. Depois da consagração, há no cálice o verdadeiro Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, debaixo das espécies de vinho.
A conversão do pão no Corpo e do vinho no Sangue de Jesus Cristo faz-se precisamente no ato em que o sacerdote, na Santa Missa, pronuncia as palavras da consagração.
A consagração é a renovação, por meio do sacerdote, do milagre operado por Jesus Cristo na última Ceia, quando mudou o pão e o vinho no seu Corpo e no seu Sangue adorável, por estas palavras: ‘Isto é o meu Corpo; este é o meu Sangue’.
Esta miraculosa conversão, que todos os dias se opera sobre os nossos altares, é chamada pela Igreja de transubstanciação.
Foi o mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor, Deus onipotente, que deu tanta virtude às palavras da consagração.
Depois da consagração ficam só as espécies do pão e do vinho. Dizem-se espécies a quantidade e as qualidades sensíveis do pão e do vinho, como a figura, a cor e o sabor. As espécies do pão e do vinho ficam maravilhosamente sem a sua substância por virtude de Deus Onipotente.
Tanto debaixo das espécies de pão, como debaixo das espécies de vinho, está Jesus Cristo vivo e todo inteiro com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Tanto na hóstia como no cálice está Jesus Cristo todo inteiro, porque Ele está na Eucaristia vivo e imortal como no Céu; por isso onde está o seu Corpo, está também o seu Sangue, sua Alma e sua Divindade; e onde está seu Sangue está também seu Corpo, sua Alma e Divindade, pois tudo isto é inseparável em Jesus Cristo.
Quando Jesus está na hóstia, não deixa de estar no Céu, mas encontra-se ao mesmo tempo no Céu e no Santíssimo Sacramento.
Jesus Cristo está em todas as hóstias consagradas por efeito da onipotência de Deus, a quem nada é impossível. Quando se parte a hóstia, não se parte o Corpo de Jesus Cristo, mas partem-se somente as espécies do pão. O Corpo de Jesus Cristo fica inteiro em todas e em cada uma das partes em que a hóstia foi dividida. Tanto numa hóstia grande como na partícula de uma hóstia, está sempre o mesmo Jesus Cristo.
Conserva-se nas igrejas a Santíssima Eucaristia para que seja adorada pelos fiéis, e levada aos enfermos, quando necessário.
A Eucaristia deve ser adorada por todos, porque Ela contém verdadeira, real e substancialmente o mesmo Jesus Cristo Nosso Senhor.
2. DA INSTITUIÇÃO E DOS EFEITOS DO SACRAMENTO DA EUCARISTIA
Jesus Cristo instituiu o Sacramento da Eucaristia na Última Ceia que celebrou com seus discípulos, na noite que precedeu sua Paixão. Jesus Cristo instituiu a Santíssima Eucaristia por três razões principais:
1. para ser o sacrifício da Nova Lei;
2. para ser alimento da nossa alma;
3. para ser um memorial perpétuo da sua Paixão e Morte, e um penhor precioso do seu amor para conosco e da vida eterna.
Jesus Cristo instituiu este Sacramento debaixo das espécies de pão e de vinho porque a Eucaristia devia ser nosso alimento espiritual, e era por isso conveniente que nos fosse dada em forma de comida e de bebida.
Os principais efeitos que a Santíssima Eucaristia produz em quem a recebe dignamente são estes:
1. conserva e aumenta a vida da alma, que é a graça, assim como o alimento material sustenta e aumenta a vida do corpo;
2. perdoa os pecados veniais e preserva dos mortais;
3. produz consolação espiritual.
A Santíssima Eucaristia produz em nós outros três efeitos, a saber:
1. enfraquece as nossas paixões, e em especial amortece em nós o fogo da concupiscência;
2. aumenta em nós o fervor e ajuda-nos a proceder em conformidade com os desejos de Jesus Cristo;
3. dá-nos um penhor da glória futura e da ressurreição do nosso corpo.
3. DAS DISPOSIÇÕES NECESSÁRIAS PARA BEM COMUNGAR
Para fazer uma comunhão bem feita, são necessárias três coisas:
1. estar em estado de graça;
2. estar em jejum desde a meia-noite até o momento da comunhão* (*esta lei não está mais em vigor, bastando, atualmente, o jejum de uma hora);
3. saber o que se vai receber e aproximar-se da sagrada comunhão com devoção";
"Estar em estado de graça" quer dizer: ter a consciência limpa de todo o pecado mortal.
Quem sabe que está em pecado mortal deve fazer uma boa confissão antes de comungar; porque para quem está em pecado mortal, não basta o ato de contrição perfeita, sem a confissão, para fazer uma comunhão bem feita. A Igreja ordenou, em sinal de respeito a este Sacramento, que quem é culpado de pecado mortal não ouse receber a Comunhão sem primeiro se confessar.
Quem comungasse em pecado mortal receberia a Jesus Cristo, mas não a sua graça; pelo contrário, cometeria sacrilégio e incorreria na sentença de condenação.
O jejum eucarístico consiste em abster-se de qualquer espécie de comida ou bebida** (**exceto a água natural). Quem engoliu restos de comida presos aos dentes pode comungar, porque já não são tomados como alimentos ou perderam tal condição. Comungar sem estar em jejum é permitido aos doentes que estão em perigo de morte, e aos que obtiveram permissão especial do Papa em razão de doença prolongada. A comunhão feita pelos doentes em perigo de morte chama-se Viático, porque os sustenta na viagem que eles fazem desta vida à eternidade.
"Saber o que vai receber" quer dizer: conhecer o que ensina com respeito a este Sacramento a Doutrina Cristã e acreditá-lo firmemente.
"Comungar com devoção" quer dizer: aproximar-se da sagrada Comunhão com humildade e modéstia, tanto na própria pessoa como no vestir, e fazer a preparação antes e a ação de graças depois da Comunhão.
A preparação antes da Comunhão consiste em nos entretermos algum tempo a considerar quem é Aquele que vamos receber e quem somos nós; e em fazer atos de fé, de esperança, de caridade, de contrição, de adoração, de humildade e de desejo de receber a Jesus Cristo.
A ação de graças depois da Comunhão consiste em nos conservarmos recolhidos a honrar a presença do Senhor dentro de nós mesmos, renovando os atos de fé, de esperança, de caridade, de adoração, de agradecimento, de oferecimento e de súplica, pedindo sobretudo aquelas graças que são mais necessárias para nós e para aqueles por quem somos obrigados a orar.
No dia da Comunhão deve-se manter, o mais possível, o recolhimento, e ocupar-se em obras de piedade, bem como cumprir com grande esmero os deveres de estado.
Depois da sagrada Comunhão, Jesus Cristo permanece em nós com a sua graça enquanto não se peca mortalmente; e com a sua presença real permanece em nós enquanto não se consomem as espécies sacramentais.
4. DA MANEIRA DE COMUNGAR
No ato de receber a sagrada Comunhão, devemos estar de joelhos, com a cabeça medianamente levantada, com os olhos modestos e voltados para a sagrada Hóstia, com a boca suficientemente aberta e com a língua um pouco estendida sobre o lábio inferior. Senhoras e meninas devem estar com a cabeça coberta.
A toalha ou a patena da Comunhão deve-se segurar de maneira que recolha a sagrada Hóstia, caso ela venha a cair.
Devemos procurar engolir a sagrada Hóstia o mais depressa possível, e convém abster-nos de cuspir algum tempo. Se a sagrada Hóstia se pegar ao céu da boca, é preciso despegá-la com a língua, nunca porém com os dedos.
5. DO PRECEITO DA COMUNHÃO
Há obrigação de comungar todos os anos pela Páscoa, na própria paróquia, e, além disso, em perigo de morte. O preceito da Comunhão pascal começa a obrigar na idade em que a criança é capaz de recebê-la com as devidas disposições.
Aqueles que, tendo a idade capaz para serem admitidos à Comunhão, não comungam, ou porque não querem ou porque não estão instruídos por sua própria culpa, pecam sem dúvida. Pecam igualmente os seus pais, ou quem lhes faz as vezes, se o adiamento da Comunhão se dá por sua culpa, e hão de dar por isso severas contas a Deus.
É coisa ótima comungar freqüentemente e até todos os dias, contanto que se faça com as devidas disposições. Pode-se comungar tão freqüentemente quanto o permita o conselho de um confessor piedoso e douto.
I. IMPORTÂNCIA DA DOUTRINA
Se entre todos os Sagrados Mistérios que Nosso Senhor e Salvador nos confiou, como meios infalíveis para conferir a divina graça, não há nenhum que possa comparar-se com o Santíssimo Sacramento da Eucaristia: assim também não há crime que faça temer pior castigo da parte de Deus, do que não terem os fiéis devoção e respeito na prática de um Mistério, que é todo santidade, ou antes, que contém em si o próprio autor e fonte da santidade.
Com muita perspicácia, alcançou o Apóstolo esta verdade e sobre ela nos advertiu em termos peremptórios. Tendo, pois, mostrado como era enorme o crime daqueles que não distinguem o Corpo do Senhor, acrescentou logo em seguida: "Por isso é que entre vós há tantos doentes e fracos, e muitos chegam a morrer" (I Cor XI, 30).
Os pastores devem, portanto, esmerar-se na exposição de todos os pontos doutrinários, que mais realcem a majestade da Eucaristia, para que o povo cristão, compreendendo que deve tributar honras divinas a este celestial Sacramento, consiga os mais abundantes frutos da graça, e aparte de si a justíssima cólera de Deus.
II. HISTÓRICO DA INSTITUIÇÃO
Para este fim, é necessário que os pastores comecem por explicar aos fiéis a instituição deste Sacramento. Sigam o exemplo de São Paulo Apóstolo, que afirmava só ter transmitido aos Coríntios o que recebera do Senhor (I Cor XI, 23ss).
Ora, o Evangelho indica-nos, claramente, como se operou essa instituição.
"Como, pois, o Senhor amava os Seus, amou-os até o extremo" (Jo XIII, 1). E, para lhes dar desse amor, uma admirável caução divina, sabendo que chegara a hora de partir deste mundo para o Pai, consumou o Mistério, a fim de que jamais Se apartasse dos Seus; [e fê-lo] por um recurso inexplicável, que transcende todas as leis da natureza.
Com efeito, depois de celebrar com os Discípulos a Ceia do Cordeiro Pascal, para que a figura cedesse lugar à verdade, e a sombra ao fato concreto, "tomou Ele o pão, deu graças a Deus, benzeu-o e partiu-o, distribuiu-o aos Seus Discípulos, pronunciando as palavras: Tomais e comei. Isto é o Meu Corpo, que vai ser entregue por amor de vós. Fazei isto em memória de Mim. Do mesmo modo, tomou também o cálice, depois da ceia, e disse: este Cálice é a nova Aliança no Meu Sangue. Fazei isto em Minha memória, todas as vezes que o beberdes" (Mt XXVI, 26; Lc XXII, 19ss; Mc XIV, 22; I Cor XI, 24ss).
III. NOMES DESTE SACRAMENTO
Reconhecendo que uma só palavra não podia, de modo algum, exprimir a sublime dignidade deste admirável Sacramento, procuraram os sagrados autores interpretá-la por meio de várias designações.
Chama-lhe, às vezes, EUCARISTIA. É um termo que se traduz em vernáculo por "boa graça", ou também, "ação de graças". Como propriedade se diz que este Sacramento é "boa graça", não só por prefigurar a vida eterna, da qual está escrito: "A graça de Deus é a vida eterna" (Rm VI, 23): mas também por conter em si a Cristo Nosso Senhor, que é a graça por excelência e a fonte de todas as graças.
Não menos acertado é o sentido que se dá como "ação de graças", pois pela imolação desta Vítima puríssima rendemos, todos os dias, infinitas graças a Deus por todos os benefícios recebidos, sobretudo pelo inefável dom de Sua graça, que nos é outorgada neste Sacramento.
Esse nome condiz, perfeitamente, com tudo o que Cristo Nosso Senhor fez na instituição deste Mistério. É o que lemos na Sagrada Escritura, porquanto Davi, "Ele tomou o pão, partiu-o e rendeu graças" (Lc XXII, 19; I Cor XI, 23ss). O próprio abismado na contemplação [profética] deste grandioso Mistério, cantou o hino: "Misericordioso e compassivo, fez o Senhor um memorial de Suas maravilhas, e deu alimento aos que O temem" (Sl CX, 4); mas julgou necessário antepor-lhe uma ação de graças, e por isso exclamou: "Digna de louvor e grandiosa é a Sua obra" (Sl CX, 3).
É freqüente dar-se-lhe também o nome de SACRIFÍCIO. Só mais tarde é que falaremos deste Mistério com mais vagar.
Chama-se igualmente COMUNHÃO, termo que deriva positivamente da passagem do Apóstolo: "O cálice da bênção, que benzemos, não é porventura a comunhão do Sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é por certo a participação do Corpo de Cristo?" (I Cor X, 16).
Com efeito, no sentir de São João Damasceno, este Sacramento nos liga com Cristo, faz-nos participar de Sua Carne e Divindade, une-nos e congrega-nos uns aos outros, articula-nos, por assim dizer, num só corpo no mesmo Cristo.
Tal é também a razão de chamar-se SACRAMENTO DA PAZ E CARIDADE, para nos dar a entender quanto são indignos do nome cristão os que cultivam inimizades, e quanto se faz mister exterminar radicalmente os ódios, rixas e discórdias, como sendo a mais negra peste entre os cristãos; isto tanto mais, porque no Sacrifício cotidiano de nossa Religião prometemos fazer o maior esforço possível por conservar a paz e a caridade.
Muitas vezes, os autores sagrados dão-lhe também o nome de VIÁTICO, por ser o alimento espiritual que não só nos sustenta na peregrinação desta vida, como também nos prepara o caminho para a eterna glória e felicidade.
Por esta razão, vemos a Igreja Católica observar o antigo preceito, que nenhum dos fiéis deve morrer, sem a recepção deste Sacramento.
Os mais antigos Padres da Igreja estribavam-se na autoridade do Apóstolo, quando deram algumas vezes o nome de CEIA à Sagrada Eucaristia, pelo fato de que Cristo Nosso Senhor a instituiu durante os salutares mistérios da Última Ceia.
Com isso, porém, não se quer dizer que seja lícito consagrar ou receber a Eucaristia, depois que se tenha comido ou bebido alguma coisa. Conforme diziam os antigos escritores, foram os Apóstolos que introduziram o salutar costume, desde então sempre mantido e observado, que as pessoas só recebam a Comunhão em jejum natural.
IV. EUCARISTIA COMO UM DOS SETE SACRAMENTOS
1. Prova.
Após a explicação do nome, força é ensinar que a Eucaristia é verdadeiro Sacramento, um dos sete que a Santa Igreja sempre reconheceu e conservou, com religiosa veneração.
Antes de tudo, porque na consagração do Cálice é designada como "Mistério de Fé". Depois, porque são quase inúmeras as declarações, pelas quais os sagrados autores sempre afirmaram o caráter genuinamente sacramental da Eucaristia. No entanto, não os citaremos aqui, visto chegarmos às mesmas conclusões pela consideração da essência e finalidade deste Sacramento.
De fato, na Eucaristia concorrem os sinais externos e sensíveis [de Sacramento], bem como a virtude de significar e produzir a graça. Ademais, nem os Evangelistas, nem os Apóstolos deixam a menor dúvida de que foi instituída por Cristo.
Ora, como aqui se verificam todas as condições, que dão prova do genuíno caráter sacramental, já não precisamos recorrer a nenhuma outra argumentação.
2. Sinal sacramental
Todavia, tenham os pastores o cuidado de advertir que, neste Mistério, entram vários fatores, aos quais os sagrados autores atribuíam outrora o nome de Sacramento. Assim designavam às vezes a Consagração e a Comunhão, e amiúde o próprio Corpo e Sangue de Nosso Senhor, que se contêm na Eucaristia.
Diz Santo Agostinho que este Sacramento consta de duas coisas: aparência visível dos elementos, e realidade invisível da Carne e do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, da mesma forma dizemos que se deve adorar este Sacramento e, com tais palavras, nos referimos ao Corpo e Sangue de Nosso Senhor.
Verdade é que todas estas coisas não se chamam Sacramento, no rigor da palavra. O nome [de Sacramento] só tem aplicação real e absoluta às espécies de pão e de vinho.
3. Diferença dos outros Sacramentos
a) permanência no tempo
Fácil é de verificar quanto vai a diferença deste Sacramento a todos os demais. Os outros Sacramentos só adquirem sua razão de ser pela aplicação da matéria, quando são administrados a qualquer pessoa. O Batismo, por exemplo, não surte seu efeito sacramental, senão no próprio instante em que alguém recebe realmente a ablução de água.
No entanto, para a integridade [sacramental] da Eucaristia basta a consagração da matéria; ambas as espécies não deixam de ser Sacramento, ainda que sejam guardadas no cibório.
b) transubstanciação
Mais ainda. Na feitura dos outros Sacramentos, a matéria ou elemento não se muda em substância diversa. A água batismal e o óleo de Crisma não perdem respectivamente a substância própria de água ou de azeite, quando se administram os Sacramentos do Batismo e da Confirmação.
Mas, na Eucaristia, o que antes da Consagração era simples pão e vinho, é verdadeira substância do Corpo e Sangue de Nosso Senhor, desde que se efetuou a Consagração.
4. Unidade sacramental
Apesar de serem dois os elementos que constituem a natureza integral da Eucaristia, a saber pão e vinho, dizemos contudo que eles não perfazem vários, mas um só Sacramento, conforme no-lo ensina o Magistério da Igreja. Do contrário, não poderia aliás ser sete o número total dos Sacramentos, assim como a Tradição sempre o afirmou, e os Concílios de Latrão, Florença e Trento o definiram.
Pois, como a graça deste Sacramento produz um só Corpo Místico, um só deve ser também o próprio Sacramento, para que a sua natureza corresponda à graça produzida. E deve ser um, não porque seja um todo indivisível, mas porque assinala uma só operação da graça.
Se compararmos, comida e bebida são duas coisas diversas, mas que se empregam para a mesma finalidade, ou seja, para restaurar as forças do corpo. Assim, pois, no Sacramento, convinha que a elas correspondessem duas espécies diversas, para representarem o alimento espiritual com que as almas se sustentam e dessedentam. Por isso é que Nosso Senhor declarou: "Minha Carne é verdadeiramente comida, e Meu Sangue é verdadeiramente bebida" (Jo 6, 56).
5. Significado sacramental
Portanto, torna-se mister que os pastores não se cansem de desenvolver toda a significação do Sacramento da Eucaristia. Destarte, os fiéis poderão alimentar o espírito pela contemplação das verdades divinas, enquanto acompanham os Sagrados Mistérios com os olhos corporais.
Ora, três são as coisas que este Sacramento nos recorda.
A primeira, que já passou, é a Paixão de Cristo Nosso Senhor. Ele próprio havia dito: "Fazei isto em memória de Mim" (Lc XXII, 19). E o Apóstolo testemunhou: "Todas as vezes que comerdes deste Pão e beberdes do Cálice, anunciareis a Morte do Senhor, até que Ele venha" (I Cor XI, 26).
A segunda é a graça divina e celestial, que o Sacramento confere no instante da recepção, para nutrir e conservar as forças da alma.
Assim como o Batismo nos faz renascer para uma vida nova, e a Crisma dos dá alento para resistir a Satanás, e confessar publicamente o nome de Cristo: assim também a Eucaristia nos dá alimento e vigor espiritual.
A terceira, reservada para o futuro, é o fruto da eterna alegria e glória que havemos de possuir na Pátria celestial, em virtude da promessa feita por Deus.
Estas três coisas que claramente se distinguem, quanto ao tempo presente, passado e futuro, são expressas de tal maneira pelos Sagrados Mistérios, que o Sacramento, apesar das espécies diversas, constitui em seu aspecto total uma só representação. Esta exprime, por sua vez, a razão de ser daquelas três coisas, consideradas separadamente.
V. MATÉRIA.
Os pastores devem, antes de tudo, conhecer a matéria deste Sacramento, já para que eles mesmos o possam consumar validamente, já para que os fiéis tenham uma noção de seu valor simbólico, e nutram em si o amoroso e intenso desejo de possuir aquilo que a matéria significa.
V.1. Pão de trigo
Dupla é a matéria deste Sacramento. Uma é o pão feito de trigo. Falaremos desta em primeiro lugar, e da outra nos ocuparemos mais adiante.
Dizem, pois, os Evangelistas Mateus, Marcos e Lucas, que Cristo Nosso Senhor tomou pão em Suas mãos, benzeu-o e partiu-o, pronunciando as palavras: "Isto é o meu Corpo" (Mt XXVI, 26; Mc XIV, 22; Lc XXII, 19). No Evangelho de São João, Nosso Senhor também disse de Si mesmo que era pão, quando declarava: "Eu sou o pão vivo, que desci do Céu" (Jo VI, 41).
Ora, o pão pode ser de várias espécies, ou porque difere na matéria de que é feito, havendo pão de trigo, de cevada, de legumes, e de outros produtos da terra; ou porque difere nas várias maneiras de se preparar, havendo pão levedado e pão sem fermento de espécie alguma.
Quanto à primeira espécie, as palavras do Salvador mostram que o pão deve ser feito de trigo. Pois, na linguagem comum, não há dúvida que se pensa em pão de trigo, quando nos referimos ao pão sem mais explicações.
Esta interpretação é também confirmada por uma figura da Antiga Aliança; pois o Senhor havia prescrito que os pães de proposição, símbolo deste Sacramento, fossem feitos da mais pura farinha de trigo.
Assim como só ao pão de trigo podemos considerar matéria apta para se fazer o Sacramento: assim também nos será fácil concluir que o pão deve ser ázimo, se nos cingirmos ao exemplo que deu Cristo Nosso Senhor. Com efeito, Ele fez e instituiu este Sacramento no primeiro dia dos ázimos, no qual não era permitido aos Judeus terem em casa coisa alguma que fosse fermentada.
Querendo alguém alegar a autoridade de São João Evangelista, segundo o qual tudo se realizara "na véspera da Páscoa" (Jo XIII, 1), a objeção pode ser facilmente rebatida. Diziam os outros Evangelistas que era no "primeiro dia dos ázimos", quando Nosso Salvador celebrou a Páscoa, porque os dias santos dos ázimos já começavam quinta-feira de tarde; mas era o mesmo dia que São João designava como vigília da Páscoa, pois ele queria antes de tudo indicar o espaço de um dia natural, que começa com o nascer do sol. Por isso é que também São João Crisóstomo considerava como primeiro dos ázimos o dia, em que pela tarde se deviam comer os pães ázimos.
E o Apóstolo mostra-nos quanto a consagração de pão ázimo condiz com a pureza e integridade interior que os fiéis devem apresentar, desde que se aproximam para receber este Sacramento. Motivo por que nos exorta: "Deitai fora o velho fermento, para que sejais uma massa nova, porquanto sois ázimos; pois Cristo foi imolado, para ser a nossa Páscoa. Portanto, celebremos o nosso banquete, não com o velho fermento, nem com o fermento da malícia e perversidade, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade" (I Cor V, 7ss).
Este requisito, porém, não é tão essencial, que sem pão ázimo não se possa consumar o Sacramento. Ambas as espécie de pão, quer ázimo, quer fermentado, conservam o nome e as qualidade de verdadeiro pão.
No entanto, a ninguém é lícito modificar, por alvitre, ou antes, por capricho próprio, este louvável costume de sua Igreja. Muito menos o poderiam fazer os sacerdotes do rito latino, aos quais os Soberanos Pontífices ainda por cima ordenaram celebrassem os Sagrados Mistérios só com pão ázimo.
A respeito da primeira matéria deste Sacramento, bastam as noções que acabamos de expender. Convém apenas advertir que a Igreja nunca determinou quanta matéria se deve empregar para a consagração do Sacramento, por não ser possível determinar também o número das pessoas, que possam ou devam receber os Sagrados Mistérios.
V.2. Vinho de uva
Resta-nos, agora, falar da segunda matéria deste Sacramento. É o vinho pisado do fruto da vide, ao qual se mistura um pouco de água.
A Igreja Católica sempre ensinou que Nosso Senhor e Salvador empregava vinho na instituição deste Sacramento, pois Ele mesmo havia dito: "Doravante, não tornarei a beber deste fruto da vide, até chegar aquele dia" (Mt XXVI, 29; Mc XIV, 15). Ao que comentava São João Crisóstomo: "Do fruto da vide, que certamente produzia vinho, e não água". Era como se Ele quisesse, com tanta antecedência, esmagar a heresia daqueles que julgavam que nestes Mistérios se devia usar água exclusivamente.
A Igreja, porém, sempre misturou água com o vinho. Em primeiro lugar, porque assim o fizera Cristo Nosso Senhor, conforme nos provam a autoridade dos Concílios e o testemunho de São Cipriano. Depois, porque essa mistura faz lembrar que do lado de Cristo manou sangue e água. Ademais, as "águas" significam o povo, como lemos no Apocalipse (Ap XVII, 15); assim também, misturada ao vinho, a água simboliza a união do povo fiel com Cristo, que é a sua Cabeça.
E a Santa Igreja sempre manteve este costume, por ser de tradição apostólica.
São tão fortes as razões para se misturar água ao vinho, que seria grave culpa deixar de fazê-lo. Sem embargo, a omissão não impediria que se consumasse o Sacramento.
Mas, assim como é de preceito misturar água ao vinho, nos Sagrados Mistérios, os sacerdotes devem também cuidar de não o fazer senão em pequena quantidade; pois os santos autores julgam e ensinam que essa [pouca] água se converte em vinho.
Neste sentido escreveu o Papa Honório: "No teu território, arraigou-se um abuso pernicioso, como seja o de empregar, no sacrifício, maior quantidade de água que de vinho; porquanto a razoável praxe da Igreja Universal prescreve que se tome muito mais vinho do que água".
Como estes dois elementos são os únicos a constituírem a matéria sacramental, muita razão teve a Igreja de proibir, por vários decretos, que se não oferecessem outras coisas, além do pão e do vinho, conforme alguns se atreviam de fazer.
V.3. Simbolismo da matéria
Agora, vamos ver quanto os símbolos de pão e de vinho se prestam para designar as coisas, de que são sinais sacramentais, consoante a nossa profissão de fé.
Em primeiro lugar, apresentam-nos Cristo como a verdadeira vida dos homens. Nosso Senhor em pessoa havia dito: "Minha Carne é verdadeiramente comida e Meu Sangue é verdadeiramente bebida". Ora, se o Corpo de Cristo Nosso Senhor dá alimento para a vida eterna aos que recebem o Seu Sacramento com o coração puro e santificado, de muito acerto é que o Sacramento tenha, por símbolo, as matérias que conservam a nossa vida terrena. Assim, os fiéis não custam a compreender que a Comunhão do Precioso Corpo e Sangue de Cristo lhes nutre, plenamente, a alma e o coração.
Estes elementos materiais também concorrem, não pouco, para que os homens venham a reconhecer que este Sacramento encerra, de fato, o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. Pois, ao vermos todos os dias que, por um processo natural, o pão e o vinho se convertem em carne e sangue do homem, mais facilmente chegamos a crer, mediante essa analogia, que a substância do pão e do vinho se convertem, pelas palavras da Consagração, na verdadeira Carne de Cristo e no Seu verdadeiro Sangue.
A admirável mutação dos elementos incute-nos, ainda, uma pálida noção daquilo que se opera na alma. Deveras, ainda que se não perceba nenhuma mudança exterior no pão e no vinho, contudo a sua substância passa, verdadeiramente, a ser Carne e Sangue de Cristo: assim também, de modo análogo, nossa vida se renova interiormente, quando recebemos a verdadeira vida no Sacramento da Eucaristia, posto que em nós parece não ter havido nenhuma mudança.
Mais ainda. Sendo a Igreja um corpo que se compõe de muitos membros, nenhuma coisa é mais adequada para fazer ressaltar essa união, do que o pão e o vinho. O pão se faz de muitos grãos, e o vinho se espreme de muitos cachos. Desta maneira, simbolizam como também nós, apesar de sermos muitos, nos unimos estreitamente pelos vínculos deste Mistério, e constituímos, por assim dizer, a unidade de um só corpo.
VI. FORMA
Chega agora a vez de tratarmos da forma, que se deve empregar na consagração do pão. Salvo motivo particular, estas explanações não se destinam ao simples povo fiel – pois delas não precisam os que não receberam Ordens Sacras – mas são dadas, sobretudo, para que a ignorância da forma não induza os sacerdotes a cometerem erros palmares na consumação do Sacramento.
VI.1. Para a consagração do pão
Consoante a doutrina dos Evangelistas São Mateus e São Lucas, bem como do Apóstolo São Paulo (Mt XXVI, 26; Lc XXII, 19; I Cor XI, 24), sabemos que essa forma consiste nas seguintes palavras: "Isto é o meu Corpo". Pois está escrito: "Quando estavam na ceia, tomou Jesus o pão, benzeu-o, partiu-o, e deu-o aos Seus Discípulos, dizendo: Tomai e comei, isto é o meu Corpo" (Mt XXVI, 26).
Esta forma de consagração, a Igreja Católica sempre a empregou, por ser a que Cristo Nosso Senhor havia observado. E aqui deixamos de parte os testemunhos dos Santos Padres, cuja enumeração seria um nunca acabar, e o decreto do Concílio de Florença, por bastante conhecido e acessível a quantos o queiram consultar. Se assim procedemos, é porque se pode também inferir a mesma verdade daquelas palavras de Nosso Salvador: "Fazei isto em memória de Mim".
Aquilo, pois, que Nosso Senhor dera ordem de fazer, deve referir-se não só ao que Ele havia feito, mas também ao que Ele havia dito. Isto deve, sobretudo, entender-se das palavras que Ele proferira, tanto para significar, como para produzir o efeito sacramental.
O mesmo se pode facilmente demonstrar à luz da razão.
Forma é aquilo que significa o efeito operado por este Sacramento. Ora, como as palavras citadas declaram, de maneira explícita, o efeito que se opera, isto é, a conversão do pão no verdadeiro Corpo de Nosso Senhor, segue-se, portanto, que elas mesmas constituem a forma da Eucaristia. Nesse sentido se deve tomar a expressão do Evangelista: "benzeu-o". Era como se dissesse: "Ele tomou o pão, benzeu-o, pronunciando as palavras: Isto é o meu Corpo".
O Evangelista refere antes as palavras: "Tomai e comei". Sabemos, porém, que estas palavras não designam a consagração da matéria, mas apenas o uso que se deve fazer do Sacramento.
O sacerdote tem a estrita obrigação de pronunciá-las, mas não são de valor essencial para a realização do Sacramento. O mesmo se diga da conectiva "pois", na consagração do pão e do vinho.
Do contrário, não seria lícito consagrar o Sacramento, quando não houvesse a quem administrá-lo. No entanto, ninguém pode contestar que o sacerdote consagra realmente a matéria apta do pão, todas as vezes que profira as palavras de Nosso Senhor, ainda que não na mesma ocasião não administre a ninguém a Sagrada Eucaristia.
VI.2. Para a consagração do vinho
Pelas mesmas razões já alegadas, deve o sacerdote ter uma perfeita noção da forma para consagrar o vinho, que é a segunda matéria deste Sacramento.
Devemos crer, com inabalável certeza, que ela está contida nas seguintes palavras: "Este é o Cálice do Meu Sangue, da nova e eterna Aliança, Mistério da fé, o qual por vós e por muitos será derramado, em remissão dos pecados" (Cânon da Missa).
Destas palavras, muitas foram tiradas das Sagradas Escrituras, algumas, porém, são conservadas pela Igreja, em virtude da Tradição Apostólica:
Senão vejamos. "Este é o Cálice" - são palavras escritas por São Lucas e o Apóstolo São Paulo (Lc XXII, 20; I Cor XI, 25). O que vem a seguir: "do Meu Sangue", ou "Meu Sangue da Nova Aliança, o qual por vós e por muitos será derramado em remissão dos pecados" - são palavras que se acham parte em São Lucas, parte em São Mateus (Lc XXII, 20; Mt XXVI, 28). As palavras "da eterna Aliança" e "Mistério da fé": foram-nos comunicadas pela Sagrada Tradição, que é a medianeira e zeladora da verdade católica.
Ninguém poderá contestar a exatidão desta forma, se também aqui tiver em vista o que já foi dito acerca da consagração da matéria do pão. Pois certo é que nas palavras que exprimem a conversão do vinho no Sangue de Cristo Nosso Senhor, está contida, pois, a forma correspondente a esta matéria. Ora, como aquelas palavras a exprimem claramente, é de toda a evidência que se não deve estabelecer outra forma.
Além disso, essas palavras exprimem certos efeitos admiráveis do Sangue derramado na Paixão de Nosso Senhor, efeitos que estão na mais íntima relação com este Sacramento. O primeiro é o acesso à eterna partilha, cujo direito nos advém da "nova e eterna Aliança". O segundo é o acesso à justiça pelo "Mistério da fé"; porquanto Deus nos propôs Jesus como vítima propiciatória, mediante a fé em Seu Sangue, para que Ele mesmo seja justo e justifique a quem acredita em Jesus Cristo. O terceiro é a remissão dos pecados.
Como estas palavras da Consagração do vinho encerram um sem-número de Mistérios, e são muito adequadas ao que devem exprimir, força é considerá-las com mais vagar e atenção.
Quando pois se diz: "Este é o Cálice do Meu Sangue" – cumpre entender "Este é o Meu Sangue, que está contido neste cálice". Como aqui se consagra sangue, para ser bebida dos fiéis, é oportuno e acertado fazer-se menção do cálice. O sangue como tal não lembraria bastante a idéia de bebida, se não estivesse colocado num recipiente.
Acrescentam-se depois as palavras "da Nova Aliança", para compreendermos que o Sangue de Cristo Nosso Senhor é dado aos homens, em sua absoluta realidade, pela razão de pertencer à Nova Aliança; não somente em figura, como acontecia na Antiga Aliança, da qual contudo lemos, na epístola do Apóstolo aos Hebreus, não ter sido selada sem sangue.
Nesse sentido é que o Apóstolo explicou: "Pois isso mesmo", Cristo "é Mediador" da Nova Aliança, para que, intervindo a Sua morte, recebam a promessa da herança eterna os que a ela forma chamados" (contração de Hb IX, 15).
O adjetivo "eterna" refere-se à herança eterna, que legitimamente nos cabe pela morte de Cristo Senhor Nosso, o eterno Testador.
A cláusula "Mistério da fé" não tem por fim excluir a verdade objetiva; significa que devemos crer, com fé inabalável, o que nele se oculta, de maneira absolutamente inacessível à vista humana.
Mas estas palavras não têm aqui o mesmo sentido, que se lhes atribui também com relação ao Batismo. Fala-se, pois, de "Mistério da fé", porque só pela fé vemos o Sangue de Cristo, velado que está na espécie de vinho. Como, porém, o Batismo abrange toda a profissão da fé cristã, temos razão em chamar-lhe "Sacramento da fé", o que corresponde ao "mistério" dos gregos.
Existe, ainda, outro motivo de chamarmos "Mistério da fé" ao Sangue de Cristo. A razão humana oferece muita dificuldade e relutância, quando a fé nos propõe a crer que Cristo Nosso Senhor, verdadeiro Filho de Deus, sendo Deus e Homem ao mesmo tempo, sofreu a morte por amor de nós. Ora, esta morte é juntamente representada pelo Sacramento do Seu Sangue.
Em vista deste fato, era bem comemorar-se aqui, e não na Consagração do Seu Corpo, a Paixão de Nosso Senhor, mediante as palavras "que será derramado em remissão dos pecados". Consagrado separadamente, o Sangue tem mais força e propriedade, para revelar, aos olhos de todos, a Paixão de Nosso Senhor, a Sua Morte, a modalidade de Seu sofrimento.
As palavras que se ajuntam "por vós e por muitos", foram tomadas parte de São Mateus, parte de São Lucas (Mt XXVI, 28; Lc XXII, 20). A Santa Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, coordenou-as numa só frase, para que exprimissem o fruto e a vantagem da Paixão.
De fato, se considerarmos sua virtude, devemos reconhecer que o Salvador derramou Seu Sangue pela salvação de todos os homens. Se atendermos, porém, ao fruto real que os homens dele auferem, não nos custa compreender que sua eficácia se não estende a todos, mas só a "muitos" homens.
Dizendo, pois, "por vós", Nosso Senhor tinha em vista, quer as pessoas presentes, quer os eleitos dentre os Judeus, como o eram os Discípulos a quem falava, com exceção de Judas.
No entanto, ao acrescentar "por muitos", queria aludir aos outros eleitos, fossem eles Judeus ou gentios. Houve, pois, muito acerto em não se dizer "por todos", visto que o texto só alude aos frutos da Paixão, e esta sortiu efeito salutar unicamente para os escolhidos.
Tal é o sentido a que se referem aquelas palavras do Apóstolo: "Cristo imolou-Se uma só vez, para remover totalmente os pecados de muitos" (Hb II, 28) e as que disse Nosso Senhor no Evangelho de São João: "Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por estes que Vós me destes, porque eles são Vossos" (Jo XVII, 9).
Nestas palavras da Consagração do vinho vão ainda muitos outros Mistérios. Com a graça de Deus, poderão os pastores facilmente descobri-los, se fizerem assídua e aturada meditação das coisas divinas.
VII. DOGMAS EUCARÍSTICOS
Mas agora reatemos a explanação de outras verdades, que os fiéis de modo algum podem desconhecer. Como o Apóstolo afirma ser enorme o crime cometido por aqueles "que não distinguem o Corpo do Senhor", digam os pastores, em primeiro lugar, que o espírito e a inteligência devem aqui abstrair absolutamente das impressões sensíveis. Pois, se os fiéis julgassem que este Sacramento só contém o que eles percebem com os sentidos, cairiam forçosamente na maior das impiedades.
Seriam levados a crer que, no Sacramento, nada mais existe além de pão e de vinho, porquanto a vista, o tato, o olfato e o paladar só acusam as aparências de pão e de vinho. Devem, pois, os pastores envidar esforços, para que o espírito dos fiéis prescinda, o mais possível, da opinião dos sentidos, e se alevante à contemplação da soberania e onipotência de Deus.
São três os efeitos, dignos da maior admiração e acatamento, produzidos pelas palavras da Consagração, conforme o que a fé católica crê e professa, sem nenhuma hesitação.
O primeiro é que, neste Sacramento, se contém o verdadeiro Corpo de Cristo Nosso Senhor, aquele mesmo que nasceu da Virgem, e está sentado nos céus à mão direita do Pai.
O segundo é que nele não remanesce nenhuma substância dos elementos, por mais estranho e contrário que isto pareça à percepção dos sentidos.
O terceiro, que se deriva dos dois anteriores, está claramente indicado pelos termos da Consagração. É que os acidentes, quais se nos deparam à vista e aos demais sentidos, continuam a subsistir, de uma maneira admirável e inexplicável, sem que coisa alguma lhes sirva de suporte. Podemos, pois, enxergar todos os acidentes do pão e do vinho, mas eles não inerem a nenhuma substância; subsistem em si mesmos, porquanto a substância do pão e do vinho se convertem de tal maneira no próprio Corpo de Nosso Senhor, que a substância do pão e do vinho deixam totalmente de existir.
VII. 1. Presença real do Corpo e Sangue de Cristo
A) As palavras de Nosso Senhor
Para entrarem na exposição do primeiro efeito, farão os pastores por mostrar como são claras e inequívocas as palavras de Nosso Salvador, pelas quais Ele designa a presença real de Seu Corpo neste Sacramento.
Quando pois Ele diz "Isto é o Meu Corpo, este é o Meu Sangue" – nenhuma pessoa de bom-senso pode desconhecer o que tais palavras significam, tanto mais que se referem à natureza humana que era em Cristo uma realidade, conforme o que a fé católica a todos propõe como doutrina indubitábel.
Assim é que Santo Hilário, varão de muita virtude e prudência, teve a agudeza de observar que já não é possível duvidar da presença real do Corpo e Sangue de Cristo, desde que o próprio Senhor declarou, e a fé nos ensina, que Sua Carne é verdadeiramente comida.
B) As palavras do Apóstolo São Paulo
Os pastores deverão ainda elucidar uma outra passagem, pela qual será fácil concluir que, na Eucaristia, se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor. Depois de relatar como Nosso Senhor consagrara o pão e o vinho, e dera aos Apóstolos os Sagrados Mistérios, o Apóstolo acrescenta: "Examine-se, pois, o homem a si próprio, e assim coma deste pão e beba do cálice; porque quem come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação, por não discernir o Corpo do Senhor" (I Cor 11, 28).
Ora, se no Sacramento não houvesse outra coisa que venerar como afirmam os hereges, senão uma lembrança e um sinal da Paixão de Cristo, que necessidade tinha o Apóstolo de exortar os fiéis, em linguagem tão grave, a examinarem-se a si mesmos?
Com aquela dura palavra "condenação", declarava o Apóstolo que comete nefando crime quem recebe indignamente o Corpo do Senhor, oculto de maneira invisível na Eucaristia, e não o distingue de outra qualquer comida.
Na mesma Epístola, o Apóstolo já havia antes explicado de modo mais incisivo: "O Cálice da bênção, não é a comunicação do Sangue de Cristo? E o Pão, que partimos, não é a participação do Corpo de Cristo?" (I Cor 10, 16). São palavras que designam, claramente, a verdadeira substância do Corpo e Sangue de Cristo Nosso Senhor.
Os pastores devem, portanto, explicar estas passagens da Escritura, ensinando, expressamente, que elas não deixam nenhuma dúvida ou incerteza, sobretudo porque [assim] as interpretou a sacrossanta autoridade da Igreja de Deus.
C) A doutrina da Igreja
Por dois processos podemos alcançar essa interpretação da Igreja. O primeiro é consultar os Padres que, desde os primórdios da Igreja floresceram em cada século, e são os melhores abonadores da doutrina eclesiástica.
Ora, eles são absolutamente unânimes em ensinar, com a maior clareza, a verdade deste dogma. Mas como custaria muito esforço e trabalho alegar aqui o testemunho de cada um deles, será bastante referir, ou melhor, apontar alguns testemunhos que permitam ajuizar os demais, sem maior dificuldade.
Os Santos Padres
Seja, pois, Santo Ambrósio o primeiro a fazer seu depoimento de fé. No seu livro sobre os Catecúmenos, afirmou que neste Sacramento recebemos o verdadeiro Corpo de Cristo, assim como foi verdadeiramente tomado da Virgem; e que esta verdade deve ser aceita com absoluta adesão da fé. E, noutro lugar, ensina que, antes da Consagração, há pão sobre o altar; mas que, depois da Consagração, está ali a Carne de Cristo.
Venha como segunda testemunha, São João Crisóstomo, cuja doutrina não é de menos força e autoridade. Em muitas passagens de suas obras, professa ele e ensina a verdade deste dogma, mas de modo mais pronunciado na sexagésima Homilia sobre aqueles que comungam indignamente, bem como nas Homilias quadragésima quarta e quadragésima quinta sobre o Evangelho de São João: "Obedeçamos a Deus, diz ele, e não façamos objeção, ainda quando parece propor-nos coisas contrárias às nossas idéias e à nossa visão; porquanto a Sua palavra é infalível, e nossos sentidos facilmente se enganam".
Com tais passagens concorda plenamente o que Santo Agostinho, como rijo defensor da fé, sempre ensinava, mormente na explicação do título do Salmo trigésimo terceiro. Diz ele: "Impossível é ao homem carregar-se a si mesmo nas próprias mãos. Isso podia aplicar-se somente a Cristo, pois que Se trazia a Si nas próprias mãos, quando entregou Seu Corpo com as palavras ‘Isto é o Meu Corpo’".
De parelhas com São Justino e Santo Irineu, São Cirilo afirma, no Quarto Livro sobre o Evangelho de São João, a existência da Carne de Cristo neste Sacramento, e usa de termos tão declarados, que não é possível dar-lhes uma interpretação errônea e tendenciosa.
Caso queiram outros ditos dos Santos Padres, os pastores poderão sem mais acrescentar São Dionísio, Santo Hilário, São Jerônimo, São João Damasceno, e muitos outros que não nos é possível enumerar. Suas autorizadas opiniões sobre este dogma foram cuidadosamente coligidas, graças aos esforços de autores doutos e piedosos, que assim no-las tornaram fáceis de consultar em qualquer oportunidade.
Os Concílios
O segundo processo para conhecermos o sentir da Igreja me matéria de fé, consiste na condenação que ela fulmina contra as doutrinas e opiniões contrárias.
Ora, é um fato histórico que a fé na presença real do Corpo de Cristo na Eucaristia estava de tal modo disseminada e arraigada na Igreja Universal e gozava de tanta aceitação entre todos os fiéis que, atrevendo-se Berengário, [há quinhentos anos atrás] (*no século XI), a negá-la e atribuir-lhe apenas o caráter de simples emblema, o Concílio de Vercelli, convocado por Leão IX, logo o condenou por consenso unânime dos Padres, e fulminou sua heresia com a pena de excomunhão.
Quando ele mais tarde recaiu na loucura da mesma impiedade foi novamente condenado por três outros Concílios, por um em Tours, e por dois em Roma, sendo o primeiro destes convocado pelo Papa Nicolau II, e o segundo pelo Papa Gregório VII. Esta mesma doutrina foi mais tarde confirmada por Inocêncio III no Concílio Ecumênico de Latrão. Depois os Concílios de Florença e de Trento declararam e definiram, mais explicitamente, o sentido desta verdade revelada.
Nenhuma alusão fazemos aqui a pessoas que, obcecadas por opiniões errôneas, nada aborrecem tanto, como a luz da verdade; mas, se os pastores explicarem bem estas verdades, poderão confortar os fracos, e encher de suma e cordial alegria os espíritos piedosos, tanto mais que para os fiéis a verdade deste dogma deve estar implicitamente incluída na profissão dos outros artigos da fé.
Crendo, pois, e professando o supremo poder de Deus sobre todas as coisas, força lhes é crerem também que a Deus não falta poder para realizar este sumo prodígio que, extasiados, adoramos, no Sacramento da Eucaristia. E crendo, também, a Santa Igreja Católica, necessariamente devem acreditar que as verdades relativas a este Sacramento são conformes à explicação, que acabamos de dar (*isto é, que a Eucaristia é um dogma apresentado pelo Magistério infalível da Igreja).
D) Sublimidade da presença de Cristo
Sem dúvida alguma, quando os fiéis se põem a considerar a singular grandeza deste incomparável Sacramento, não há o que lhes possa contribuir para maior gozo e proveito espiritual.
Em primeiro lugar, reconhecerão como é sublime a perfeição da Nova Aliança, à qual foi dado possuir na realidade o Mistério que, na época da Lei Mosaica, era apenas insinuado por sinais e figuras. Por isso, São Dionísio teve a inspiração de dizer que a nossa Igreja fica de permeio entre a Sinagoga e a Jerusalém celestial, razão por que também participa da grandeza de ambas.
De fato, os fiéis jamais poderão admirar bastante a perfeição da Santa Igreja e a sublimidade de sua glória; ao que parece, entre ela e a bem-aventurança celestial medeia apenas a distância de um só grau.
Pois o que temos de comum com os bem-aventurados é o possuirmos, nós e eles, a presença de Cristo como Deus e como Homem. Todavia, o único grau que nos separa é gozarem eles Sua presença na visão beatífica, ao passo que nós, com fé firme a inabalável, veneramos Sua presença, vedada contudo à nossa vista corporal, porquanto Se encobre debaixo do admirável véu dos Sagrados Mistérios.
Além do mais, é neste Sacramento que os fiéis experimentam a suprema caridade de Cristo Nosso Salvador. Sob todos os pontos de vista, convinha à Sua bondade não apartar de nós, em tempo algum, a natureza que de nós havia assumido, mas antes querer ficar conosco, na medida do possível, para que em todos os tempos fosse plena realidade aquela palavra da Escritura: "Minhas delícias é estar com os filhos dos homens" (Pr 8, 31).
E) Presença de Cristo total
Nesta altura, os pastores hão de explicar que, neste Sacramento, se contém não só o verdadeiro Corpo de Cristo, e tudo o que constitui realmente o corpo humano, como os ossos e os músculos, mas também Cristo todo inteiro.
Devem dizer que "Cristo" é um nome que designa o Homem-Deus, isto é, uma única Pessoa, e no qual se ligam as natureza divina e humana. Sendo assim, devemos crer que tudo está encerrado no Sacramento da Eucaristia: ambas as substâncias, e o que se deriva das duas substâncias, isto é, a Divindade e toda a natureza humana, que consta da alma, do corpo com todas as suas partes, e até do sangue.
Com efeito, já que no céu a Humanidade completa de Cristo está unida à Divindade numa só Pessoa e hipóstase, grave erro seria supor que o Corpo, em sua presença sacramental, estivesse separado da mesma Divindade.
No entanto, devem os pastores levar em conta que todos estes elementos não estão contidos no Sacramento pela mesma razão e maneira.
Em virtude do Sacramento
De alguns dizemos estarem presentes no Sacramento, pela virtude própria das palavras consecratórias. Como essas palavras produzem o que significam, dizem os teólogos que no Sacramento se contém, em virtude do próprio Sacramento, o que exprimem as palavras da forma. Se acontecesse ficar algum elemento inteiramente separado dos outros, afirmam também os teólogos que no Sacramento se conteria apenas o que está expresso pela forma, com exclusão dos elementos restantes.
Por concomitância
Outros elementos, porém, estão contidos no Sacramento, por se ligarem às coisas expressas pela forma. Na consagração do pão, por exemplo, a forma empregada significa o Corpo de Nosso Senhor, porquanto se diz: "Isto é o Meu Corpo". Assim, pois, em virtude do Sacramento, se torna presente na Eucaristia o próprio Corpo de Cristo Nosso Senhor. Ora, estando unidos ao Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade, todos esses elementos estão também contidos no Sacramento, não em virtude das palavras consecratórias, mas por estarem unidos ao Corpo.
Em linguagem teológica se diz que eles estão no Sacramento "por concomitância" (*por um nexo necessário). Torna-se, pois, evidente ser esta a razão por que Cristo se acha totalmente presente no Sacramento. Quando duas coisas realmente se unem entre si, força é que esteja uma onde se encontra também a outra. Segue-se, portanto, que a presença de Cristo é total, quer na espécie de pão, quer na espécie de vinho: e de tal maneira, que nos acidentes do pão não se acha realmente presente só o Corpo, mas também o Sangue e Cristo todo; bem como na espécie de vinho está verdadeiramente presente, não só o Sangue, mas também o Corpo e Cristo todo inteiro.
Consagração de duas espécies
Apesar desse fato, a que os fiéis devem atribuir uma certeza absoluta, era muito legítimo se estabelecesse o preceito de fazerem-se duas Consagrações separadas.
Em primeiro lugar, para realçar melhor a Paixão de Nosso Senhor, na qual o Sangue se separou do Corpo. Por esse motivo, na Consagração, nos referimos ao Sangue que foi derramado.
Depois, como se destinava à nutrição de nossa alma, era absolutamente razoável que o Sacramento fosse instituído à maneira de comida e bebida, que constituem, na opinião geral, os componentes da boa alimentação para o organismo.
F) Presença de Cristo em cada partícula das espécies
Na explicação, porém, cumpre não omitir que Cristo está todo presente não só em cada uma das espécies, mas também em cada parcela de ambas as espécies. Assim escreveu Santo Agostinho em suas obras: "Cada qual recebe Cristo Nosso Senhor, e em cada porção está Ele todo presente. Não fica menor, quando repartido a cada um individualmente, e dá-Se todo a cada um dos comungantes".
Além disso, pode-se facilmente comprovar a mesma verdade através dos textos evangélicos. Não é também de supor que Nosso Senhor consagrasse com forma própria cada pedaço de pão, mas que pela mesma forma consagrou, ao mesmo tempo, todo o pão suficiente para a celebração dos Sagrados Mistérios, e para a distribuição aos Apóstolos. Quanto ao Cálice, não padece dúvida que assim procedeu, porquanto Ele mesmo disse: "Tomai e reparti entre vós" (Lc 22, 17).
As explicações dadas até agora destinam-se aos pastores, para que possam demonstrar como no Sacramento da Eucaristia se contém o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.
VII.2. Cessação das substâncias do pão e do vinho
Agora devem os pastores tratar do segundo ponto já mencionado, ensinando que, após a Consagração, não permanecem as substâncias do pão e do vinho. Pode este Mistério provocar justamente a mais forte admiração, mas é uma conseqüência necessária da doutrina que acabamos de demonstrar.
Na verdade, se depois da Consagração o verdadeiro Corpo de Cristo está presente debaixo das espécies do pão e do vinho, uma vez que antes ali não estava, era necessário que isso se efetuasse, ou por mudança de lugar, ou por criação, ou pela conversão de outra coisa nesse mesmo Corpo.
Ora, é certo que não podia o Corpo de Cristo estar presente no Sacramento, por mudança de um lugar para outro. Nesse caso, viria a deixar as mansões celestiais, pois nada se move, sem abandonar o lugar donde parte o movimento.
Mais absurdo seria admiti-se uma nova criação do Corpo de Cristo, de sorte que tal hipótese nem pode ser levada em consideração.
Resta, portanto, uma única possibilidade: o Corpo de Nosso Senhor está presente no Sacramento, porque o pão se converte no próprio Corpo de Cristo. Como conseqüência, devemos admitir que não remanesce coisa alguma da substância do pão.
A) Doutrina da Igreja
Foi esta razão que levou os Padres e Teólogos da antigüidade a confirmarem abertamente a verdade deste dogma, pelos decretos do Concílio Ecumênico de Latrão e do Concílio de Florença. Mais explícita, porém, é a definição do Concílio Tridentino: "Seja anátema quem disse que no Sacrossanto Sacramento da Eucaristia remanesce a substância do pão e do vinho, juntamente com o Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo".
Sagrada Escritura
Mas era fácil também tirar-se esta conclusão dos testemunhos da Escritura. Em primeiro lugar, porque o próprio Nosso Senhor havia dito na instituição deste Sacramento: "Isto é o Meu Corpo". A palavra "isto" designa, pelo seu sentido, toda a substância de uma coisa presente. Ora, se persistisse a substância do pão, em hipótese alguma poderia Ele dizer com propriedade: "Isto é o Meu Corpo".
No Evangelho de São João, diz ainda Cristo Nosso Senhor: "O pão que Eu darei, é a Minha Carne para a vida do mundo" (Jo 6, 52). Chama, pois, ao pão a Sua Carne. Mais adiante acrescentou: "Se não comerdes a Carne do Filho do Homem, e não beberdes o Seu Sangue não tereis a vida em vós" (Jo 6, 53). Em seguida rematou: "A Minha Carne é verdadeiramente comida, e o Meu Sangue é verdadeiramente bebida" (Jo 6, 56).
Se em termos tão claros e incisivos designa Sua Carne como pão e verdadeiro alimento, e Seu Sangue como bebida igualmente verdadeira, prova é suficiente de que Cristo dava a entender que, no Sacramento, não restava nenhuma substância de pão nem de vinho.
Santos Padres
Quem versar os Santos Padres, desde logo verá que foram sempre unânimes na exposição desta doutrina.
Santo Ambrósio, por exemplo, escreve nestes termos: "Tu dizes talvez: o meu pão é pão comum. No entanto, este pão é pão antes das palavras sacramentais. Logo que se realiza a Consagração, de pão que é, torna-se Carne de Cristo". E a provar, mais comodamente, as suas afirmações, aduz ele muitos exemplos e semelhanças.
Noutro lugar, onde se põe a interpretar a passagem "O Senhor fez tudo quanto queria no céu e na terra" (Sl 134, 6), tece o seguinte comentário: "Com serem as aparências de pão e de vinho, todavia devemos crer que, feita a Consagração, nelas não existe outra coisa senão a Carne e o Sangue de Cristo".
Santo Hilário, por sua vez, expõe a mesma doutrina quase pelas mesmas palavras. Ensina que o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor estão verdadeiramente presentes, ainda que por fora só se veja a representação de pão e de vinho.
O "Pão" Eucarístico
Nesta altura, façam ver os pastores que não é para admirar se depois da Consagração ainda falamos de "pão". Implantou-se o costume de chamar assim à Eucaristia, já porque tem as aparências de pão, já porque conserva a virtude natural de nutrir e sustentar o corpo, qualidade intrínseca de todo pão.
Além do mais, as Escrituras costumam chamar as coisas pelas suas aparências, assim como claramente nos mostra aquela passagem do Gênesis, na qual se diz "terem aparecido a Abraão três homens" (Gn 18, 2), que na realidade eram três Anjos E "aqueles dois" que apareceram aos Apóstolos, na Ascensão de Cristo Nosso Senhor aos Céus, são chamados "homens", apesar de serem Anjos (At 1, 20).
B) Explicação do mistério
Dificílima se torna, sob todos os pontos de vista, uma explicação mais ampla deste mistério. Ainda assim, tentarão os pastores explicar a maneira dessa admirável conversão, pelo menos aos que forem mais versados nos Mistérios Divinos. Quanto aos menos instruídos, seria para temer que não suportem o peso da doutrina.
Essa conversão se opera de tal sorte que, pelo poder de Deus, a substância total do pão é convertida na substância total do Corpo de Cristo, e a substância total do vinho na substância total do Sangue de Cristo, sem que Nosso Senhor sofra qualquer alteração de Sua natureza. Pois Cristo ali não é gerado, nem mudado, nem aumentado, mas permanece na integridade de Sua substância.
Santos Padres
Na explicação deste Mistério, diz Santo Ambrósio: "Vês como é eficiente a palavra de Cristo. Se a palavra do Senhor Jesus é de tanta virtude, que fez começar o que não existia, como por exemplo o mundo, quanto mais eficiência não terá para conservar as coisas já existentes e convertê-las em outras".
No mesmo sentido escreveram também outros Padres antigos, muito respeitáveis pela autoridade de sua doutrina. Diz Santo Agostinho: "Cremos que, antes da Consagração, subsistem o pão e o vinho, conforme os fez a natureza; mas, depois da Consagração, existem a Carne e o Sangue de Cristo, que a palavra da bênção consagrou".
São João Damasceno se exprime assim: "O Corpo está realmente unido à Divindade, o mesmo Corpo tomado do seio da Santíssima Virgem; não porque esse Corpo desça do Céu para onde havia subido, mas porque o próprio pão e o vinho se convertem no Corpo e no Sangue de Cristo";
Transubstanciação
É com justeza e propriedade, observa o Concílio de Trento, que a Santa Igreja Católica chama de "transubstanciação" essa portentosa conversão. Assim como a geração natural pode, adequadamente, chamar-se "transformação", porque nela se efetua uma mudança de forma; assim também foi com muito acerto que nossos maiores inventaram o termo "transubstanciação"; porquanto, no Sacramento da Eucaristia, a substância total de uma coisa se converte na substância de outra coisa.
Cumpre-nos, entretanto, lembrar aos fiéis uma recomendação, que os Santos Padres sempre tornavam a encarecer. É que se não deve investigar, com excessiva curiosidade, de que maneira se processa essa conversão, pois não a podemos perceber com os sentidos, nem encontramos fato análogo nas mudanças da natureza, nem até na própria criação das coisas. Só pela fé podemos saber o que ela vem a ser, mas não devemos inquirir curiosamente a maneira de sua realização.
Não menos avisados sejam os pastores na exposição daquele outro mistério, isto é, de como o Corpo de Cristo Nosso Senhor se contém todo até na mínima partícula de pão. Raras vezes haverá necessidade de tais explanações; mas, quando as exigir a caridade cristã, lembrem-se os pastores, em primeiro lugar, de premunir os ânimos dos fiéis com aquela palavra inspirada: "A Deus nada é impossível" (Lc I, 37).
Presença substancial e não local
Ponham-se então, a ensinar que Cristo Nosso Senhor não está neste Sacramento como que num lugar. Nos corpos, lugar é um resultante natural de suas próprias dimensões. Segundo a nossa doutrina, Cristo não está no Sacramento, enquanto é grande ou pequeno – o que exprime quantidade – mas está presente como substância. Ora, a substância do pão converte-se na substância de Cristo, e não em Sua grandeza ou quantidade.
Sem dúvida alguma, uma substância tanto se contém num espaço pequeno como num grande. Assim é que a substância e natureza do ar está toda numa pequena porção de ar, da mesma forma que se encontra num grande volume. Por igual razão, num pequeno vaso se contém necessariamente toda a natureza da água, como a que existe num rio volumoso.
Portanto, já que o Corpo de Nosso Senhor se substitui à natureza do pão, força é dizer que Ele está no Sacramento, do mesmo modo que estava a substância do pão, antes de ser consagrada. Para esta, porém, tanto fazia encontrar-se em maior ou menor quantidade.
VII. 3. Subsistência das espécies sem a sua própria substância
Resta considerar um terceiro ponto, que parece ser a mais sublime e maravilhosa particularidade deste Sacramento. Sua explicação, porém, já será mais fácil aos pastores, depois de terem desenvolvido os dois pontos anteriores. É que neste Sacramento as espécies de pão e de vinho subsistem, sem nenhuma substância que lhes sirva de suporte.
Como há pouco se demonstrou, neste Sacramento está realmente o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, de sorte que já não subsiste nenhuma substância de pão e de vinho, pois tais acidentes não podem ficar inerentes ao Corpo e ao Sangue de Cristo. Portanto, a única explicação possível é que eles se sustentam por si mesmos, sem se firmarem em nenhuma substância, por um processo que transcende todas as leis da natureza.
Esta é a doutrina que a Igreja sempre manteve como certa. Pode, por sua vez, ser facilmente comprovada pelos mesmos testemunhos que serviram, anteriormente, para evidenciar que, na Eucaristia, não resta nenhuma substância de pão e de vinho.
No entanto, pondo de parte estas questões mais difíceis, o que mais importa à piedade dos fiéis é reverenciar e adorar a majestade deste admirável Sacramento, e considerar, além disso, a infinita Providência de Deus, porquanto estabeleceu a administração dos Sacrossantos Mistérios debaixo das espécies de pão e de vinho.
Com efeito, em sua natureza normal, o homem sente a máxima repugnância em comer carne humana ou tomar sangue humano. Foi, portanto, uma graça de infinita sabedoria, que Deus nos fizesse administrar o Santíssimo Corpo e Sangue nas espécies de pão e de vinho, que são os mais acessíveis e mais deleitáveis de nossos alimentos cotidianos.
Aqui entram também em consideração duas outras vantagens. A primeira é ficamos a coberto de aleivosas acusações, a que dificilmente poderíamos escapar, se os incrédulos nos vissem comer a Carne de Nosso Senhor em sua forma natural.
A segunda é que essa maneira de tomar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor promove, em grau eminente, a fé de nossos próprios corações, porque não podemos averiguar, com os sentidos, a realidade de Sua presença. A isto se refere aquela frase tão conhecida de São Gregório: “Não há lugar para merecimento, onde a certeza provém da própria razão humana”.
Estas verdades, que estamos a explicar, os pastores não as devem propor senão com grande cautela, atendendo ao nível intelectual dos ouvintes e à necessidade das circunstâncias.
A CONVERSÃO DO PÃO E DO VINHO
NO CORPO E NO SANGUE DE CRISTO
Santo Tomás de Aquino
(Suma Teológica, III, q.75, a.1)
“Hilário diz: “Não se pode pôr em dúvida a verdade da Carne e do Sangue de Cristo. De fato, pela declaração do próprio Senhor e por nossa fé, a sua Carne é verdadeiramente comida e o seu Sangue é verdadeiramente bebida”. E Ambrósio acrescenta: “Como o Senhor Jesus Cristo é o verdadeiro Filho de Deus, assim também é sua verdadeira Carne que comemos e seu verdadeiro Sangue que é uma bebida”.
“Que o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo estejam no sacramento não se pode apreender pelo sentido, mas somente pela fé, que se apóia na autoridade divina. Por isso, o texto do Evangelho de Lucas “Isto é o meu Corpo dado por vós” (Lc 22, 19) é comentado por Cirilo: “Não duvides que seja verdade, mas antes aceita as palavras do Salvador na fé: pois, sendo a verdade, não mente”.
1°. Isto está de acordo, primeiramente, com a perfeição da Nova Lei. Pois, os sacrifícios da antiga lei continham este verdadeiro sacrifício da paixão de Cristo, somente em figura, como se diz na Carta aos Hebreus: “Possuindo apenas o esboço dos bens futuros, e não a expressão mesma das realidades” (Hb 10, 1). Por isso, foi necessário que o sacrifício da Nova Lei, instituído por Cristo, tivesse algo a mais, a saber que ele contivesse a Cristo na sua paixão, não somente no significado e na figura, mas também na verdade da realidade. E, por isso, este sacramento, que contém realmente o próprio Cristo, como diz Dionísio, “é a perfeição de todos os outros sacramentos”, nos quais a força de Cristo é participada.
2°. Isto convém à caridade de Cristo, pela qual ele assumiu um verdadeiro corpo humano em vista de nossa salvação. E porque é muitíssimo próprio da amizade, segundo Aristóteles, conviver com os amigos, ele nos prometeu em recompensa a sua presença corporal, como está no Evangelho de Mateus: “Onde quer que esteja o cadáver, ali se reunirão os abutres” (Mt 24, 28). Neste interim, porém, não nos privou de sua presença corporal nesta nossa peregrinação, mas pela verdade de seu Corpo e Sangue uniu-nos a si nesse sacramento. Ele mesmo diz: “Aquele que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6, 57). Por isso, este sacramento é o sinal de maior caridade e reconforto de nossa esperança por causa da união tão familiar de Cristo conosco.
3°. Isto convém à perfeição da fé, que se refere tanto à divindade de Jesus quanto a sua humanidade, como diz o Evangelho: “Vós credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14, 1). E porque a fé trata de realidades invisíveis, como Cristo nos manifesta invisivelmente a sua divindade, assim também neste sacramento nos manifesta a sua carne de modo invisível.
Não atinando com isto, alguns afirmaram que o Corpo e Sangue de Cristo não está nesse sacramento a não ser com em sinal. O que se deve rejeitar como herético, já que contrário às palavras de Cristo. Por isso, Berengário, iniciador desse erro, foi em seguida obrigatório a abjurá-lo e confessar a verdadeira fé".
VIII. Valor e efeitos da Eucaristia.
No entanto, com relação ao que se pode dizer da admirável virtude e dos frutos deste Sacramento, não há nenhuma classe de fiéis, para os quais esse conhecimento não seja possível, e até sumamente necessário. Força é reconhecer que, se alargamos bastante a explicação deste Sacramento, temos por fim principal que os fiéis compreendam a utilidade da Eucaristia.
Como, porém, não há termos humanos que possam exprimir, adequadamente, suas imensas vantagens e aplicações, os pastores procurarão, pelo menos, tratar um ou outro ponto, para mostrarem quanta não é a abundância e afluência de todos os bens, que se encerram nestes Sagrados Mistérios.
VIII. 1. Fonte de todas as graças
Conseguirão demonstrá-lo, até certo ponto, se, depois de exposta a virtude e a natureza de todos os Sacramentos, compararem a Eucaristia a uma fonte viva, e os demais a rogos de água. Na verdade, a Eucaristia deve ser forçosamente considerara como a fonte de todas as graças; porquanto encerra em si, de modo admirável, a própria fonte de todos os dons e carismas celestiais, Cristo Senhor Nosso, o Autor de todos os Sacramentos, do qual promanam, como de uma fonte, todos os valores e perfeições que possa haver nos demais Sacramentos. Sendo assim, podemos sem mais concluir que desta fonte da divina graça procedem os imensos benefícios que nos são dispensados neste Sacramento.
VIII. 2. Efeitos como alimento espiritual
Muito prático será também considerar, como ponto de partida, a própria natureza do pão e do vinho, enquanto são os sinais simbólicos deste Sacramento.
Os mesmos efeitos que o pão e o vinho produzem no corpo, a Eucaristia também os produz todos, de modo mais elevado e mais perfeito, para a salvação e bem-aventurança da alma.
a) Viver por Cristo (graça santificante)
Verdade é que este Sacramento não se assimila à nossa natureza, como o faz o pão e o vinho; mas somos nós que de certo modo nos convertemos em sua natureza. Cabem aqui aquelas palavras de Santo Agostinho: “Alimento sou das grandes almas. Fazes por crescer, e ter-Me-ás por alimento. Não Me converterás em ti, como o fazes com o alimento do teu corpo, mas em Mim te converterás a ti mesmo”.
Ora, se “por Jesus Cristo vieram a graça e a verdade” (Jo 1, 17), é mister que uma e outra se derramem na alma de quem, com retidão e piedade, recebe Aquele que disse de Si mesmo: “Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue, permanece em Mim e Eu nele” (Jo 6, 57).
Sem dúvida alguma, quem toma este Sacramento, com fervor e piedade, de tal maneira acolhe dentro de si o Filho de Deus, que se integra em Seu Corpo como um membro vivo, de acordo com o que está escrito: “Aquele que Me toma por alimento, viverá por Minha causa” (Jo 6, 57). Da mesma forma: “O pão que Eu darei, é a Minha Carne para a vida do mundo” (Jo VI, 56).
Num comentário desta passagem, ponderava São Cirilo: “O Verbo de Deus, em Se unindo à própria carne, deu-lhe a virtude de vivificar. Portanto, nada é mais consentâneo de que Ele se una aos nossos corpos, de um modo misterioso, mediante a Sua sagrada Carne e o Seu precioso Sangue, que recebemos, no pão e no vinho, pela bênção vivificante [da Consagração]”.
Como se diz que a Eucaristia confere a graça, devem os pastores observar que isto não é para se entender, como se não fosse preciso adquirir antes o estado de graça, quando alguém quer receber este Sacramento, de maneira real e frutuosa.
Assim como a um cadáver nada aproveita o alimento natural, assim também é coisa vista que os Sagrados Mistérios não aproveitam, de modo algum à alma que esteja privada da vida sobrenatural. A presença das espécies de pão e de vinho indica também que eles foram instituídos, não para restituir, mas para conservar a vida da alma.
Há razões para assim falarmos. A graça primeira, com a qual devem estar previamente ornados todos aqueles que se atrevem a tocar com a boca a Sagrada Eucaristia, para não comerem e beberem a sua própria condenação, ela não é dada a ninguém que não tenha, pelo menos, o desejo e a intenção de receber este Sacramento. Pois a Eucaristia é o fim de todos os Sacramentos, é o emblema da mais estreita unidade da Igreja. E, fora da Igreja, ninguém pode conseguir a graça.
b) Fortalecimento da alma, e gosto pelas coisas divinas.
Outra razão. O alimento espiritual não só conserva o corpo, mas também o faz crescer. Ao paladar, proporciona-lhe todos os dias novos prazeres e regalos. É o que também faz o alimento da Eucaristia. Não só sustenta a alma, mas dá-lhe também novas forças; faz com que o espírito se deixe enlevar cada vez mais pelo gosto das coisas divinas. Por conseguinte, razões há para se dizer, com toda a justeza e verdade, que este Sacramento confere a graça por excelência. Com fundamento, pode comparar-se ao “maná”, no qual se experimentava “a suavidade de todos os sabores” (Sb 16, 20).
c) Extinção das faltas veniais
Não devemos tampouco duvidar que a Eucaristia tem por efeito remitir e apagar os pecados mais leves, pecados veniais, como se diz de ordinário. O que a alma perde, pelo ardor das paixões, quando comete pequenas faltas em matéria leve, a Eucaristia lho restitui integralmente, pela eliminação das próprias faltas menores.
Para não nos afastarmos da comparação feita, isso tem analogia com o processo, pelo qual sentimos o alimento natural aumentar e refazer, aos poucos, as calorias que se gastam e perdem em combustão diária.
Assiste-lhe, pois, toda a razão, quando Santo Ambrósio diz deste celestial Sacramento: “Toma-se este pão de cada dia, para remediar as fraquezas de cada dia”. Isto, porém, só tem aplicação aos pecados, em que a alma se não deixa levar a um consentimento plenamente voluntário.
d) Preservação de pecados mortais
Os Mistérios Eucarísticos possuem ainda a virtude de conservar-nos puros e limpos de pecados mortais, indenes nos assaltos das tentações, premunindo a alma com uma espécie de remédio celestial, para que o veneno de alguma paixão mortífera não a possa facilmente contagiar e corromper.
Por isso mesmo, como no-lo atesta São Cipriano, quando os tiranos da época arrastavam, arbitrariamente, os fiéis aos suplícios e à pena de morte, por terem confessado a sua fé cristã, era antigo costume da Igreja Católica administrarem-lhes os Bispos o Sacramento do Corpo e Sangue de Nosso Senhor, para que [os mártires] não desfalecessem nessa luta pela salvação, assoberbados talvez pela veemência das dores.
e) Moderação da concupiscência
Ademais, a Eucaristia refreia e modera as paixões da carne; pois, na medida que vai abrasando os corações com o fogo da caridade, abafa necessariamente os ardores da má concupiscência.
f) Penhor da vida eterna
Afinal, para exprimir, numa só fórmula, todos os frutos e graças deste Sacramento, cumpre-nos dizer que a Sagrada Eucaristia é sumamente eficaz para nos conseguir a vida eterna, pois está escrito: “Quem come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue, tem a vida eterna, e Eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6, 55).
Pela graça deste Sacramento, os fiéis gozam, já em vida, da maior paz e tranqüilidade de consciência. Chegado que for o momento de deixarem o mundo, subirão para a eterna glória e bem-aventurança, fortalecidos pela sua virtude, à semelhança de Elias que, com o vigor de um pão cozido debaixo da cinza, caminhou até Horeb, a montanha de Deus (I Rs 19, 8).
Podem os pastores desenvolver, amplamente, todas estas doutrinas, ou tomando a explicação do sexto capítulo de São João, em que se mostram vários efeitos deste Sacramento; ou percorrendo os feitos admiráveis de Cristo Nosso Senhor, para evidenciar quanta razão temos de julgar muito felizes todos aqueles que O receberam em casa, durante a Sua vida mortal, ou recuperaram a saúde, ao tocarem as Suas vestes ou a fímbria de Sua túnica, mas que muito mais felizes e venturosos somos nós, pois Ele não despreza de entrar em nossas almas, revestido de glória imortal, para lhes curar todas as feridas, paras as unir a Si mesmo, depois de tê-las ornado com os mais ricos dons de Sua graça.
IX. Sujeito da Eucaristia.
Agora, porém, é preciso ensinar que pessoas estão em condições de receber os incalculáveis frutos da Sagrada Eucaristia, ainda há pouco mencionados; cumpre dizer também que são várias as maneiras de comungar, para que o povo cristão aprenda a desejar “melhores dons espirituais” (I Cor 12, 31).
IX. 1. Três modos de comungar
A) Comunhão indigna
Conforme lemos no Concílio Tridentino, nossos antigos mestres distinguiam, com muito acerto, três modos de se receber este Sacramento.
Alguns cristãos só recebem o Sacramento. São os pecadores, que não hesitam em tomar os Santos Mistérios, com a boca e o coração manchados de impureza. São eles que, no dizer do Apóstolo, “comem e bebem indignamente o Corpo de Nosso Senhor” (I Cor 11, 29). Deles escreve Santo Agostinho: “Quem não permanece em Cristo, e no qual Cristo por sua vez não permanece, esse não come espiritualmente a Sua Carne, embora tenha entre os dentes, de maneira carnal e sensível, o Sacramento de Seu Corpo e Sangue”. Por conseguinte, quem nesse estado de alma recebe os Santos Mistérios, além de não auferir fruto algum, “come e bebe a sua própria condenação”, como no-lo atesta o mesmo Apóstolo.
B) Comunhão espiritual
Muitos recebem a Eucaristia só espiritualmente, como se costuma dizer. São aqueles que se nutrem deste Pão Celestial, pelo desejo e a intenção de recebê-lo, animados de uma fé viva, “que se torna operosa pela caridade” (Gl 5, 6). Por essa prática, alcançam, se não todos os frutos, pelos menos grande abundância deles.
C) Comunhão digna e sacramental
Outros há, enfim, que tomam a Eucaristia, sacramental e espiritualmente. São os que se examinam antes a si mesmos, como o requer o Apóstolo, e se adornam com a veste nupcial, para então chegarem à Mesa Divina. Assim auferem da Eucaristia aqueles ubérrimos frutos, de que já fizemos menção.
Em vista de tais razões, compreendemos, claramente, como se privam, dos maiores bens sobrenaturais, as pessoas que podem preparar-se para a recepção sacramental do Corpo de Nosso Senhor, mas só se contentam de fazer a Comunhão espiritual.
IX. 2. Preparação para a Comunhão Sacramental
A seguir, devemos expor quais disposições deve haver na alma dos fiéis, antes que eles recebam sacramentalmente a Eucaristia.
A) Necessidade
Em primeiro lugar, para que se reconheça que tal preparação é sumamente necessária, cumpre aduzir o exemplo de Nosso Salvador. Antes de dar aos Apóstolos o Sacramento do Seu precioso Corpo e Sangue, Cristo “lavou-lhes os pés, apesar de que [os Apóstolos] já estavam puros” (Jo 13, 5ss). Queria, assim, indicar como devemos ter todo o cuidado de que nada falte à máxima pureza e retidão de nossa alma, quando vamos receber os Mistérios Eucarísticos.
Depois, devem os fiéis compreender o seguinte. Quem toma a Eucaristia, com boas e santas disposições, é provido com os mais abundantes dons da graça divina. Em razão inversa, quem comunga sem estar preparado, não só nenhum proveito tira, mas até incorre em muitos danos e prejuízos.
Como é notório, existe, nas coisas mais úteis e salutares, a propriedade de sortirem os melhores efeitos, quando aplicadas a propósito: e de causarem ruína e destruição, quando aplicadas fora do momento oportuno. Não é, pois, de estranhar, que estes imensos e preciosos dons de Deus nos ajudem, poderosamente, a conseguir a glória celestial, quando os recebemos com boas disposições; e que ao invés produzam em nós a morte eterna, se deles nos fazemos indignos [por falta de boa preparação].
Disso temos uma prova cabal no exemplo da Arca do Senhor, que os Israelitas prezavam acima de todas as coisas. Por ela, o Senhor lhes havia dispensado um sem-número dos maiores benefícios. Aos filisteus, porém, que a tinham roubado, a Arca da Aliança acarretou-lhes uma peste maligna, e um flagelo que os cobria de eterna vergonha.
Assim também acontece com os alimentos. Quando ingeridos por um estômago bem disposto, sustentam e fortalecem o organismo. Se entram, porém, num estômago viciado, provocam até graves enfermidades.
B) Preparação da alma
Fé inabalável
A primeira coisa que os fiéis devem fazer, como preparação, é distinguir entre mesa e mesa, entre esta Mesa Sagrada e as outras profanas, entre este Pão do Céu e o pão comum. De fato faremos tal distinção, se crermos que ali está presente o verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor, que os Anjos adoram no Céu (Sl 96, 8); a cujo aceno estremecem e vacilam as colunas do firmamento (Jó 24, 11); e de cuja glória estão cheios o céu e a terra (Is 6, 3).
Realmente, nisso consiste o “distinguir o Corpo do Senhor”, como recomendava o Apóstolo. Sem embargo, devemos antes reverenciar, silenciosamente, a grandeza desse Mistério, em vez de querermos devassar a sua realidade com investigações impertinentes.
Sincera caridade fraterna
O segundo ponto de preparação, absolutamente indispensável, consiste em examinar-se cada qual a si mesmo, se vive em paz com os outros, se ama realmente ao próximo de todo o coração. “Portanto, se apresentas tua oferta diante do altar, e aí te lembras que teu irmão tem motivo de queixa contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar, vai primeiro reconciliar-se com teu irmão, e vem depois fazer a tua oferta” (Mt 5, 23ss).
Prévia confissão dos pecados mortais
Em seguida, devemos examinar, cuidadosamente, a nossa consciência, se não está talvez manchada de alguma culpa mortal, de que precisamos penitenciar-nos. Ela deve ser extinta, antes de comungarmos, pelo remédio da contrição e da Confissão. Pois o Santo Concílio de Trento decretou que ninguém pode receber a Sagrada Eucaristia, se a consciência o acusa de algum pecado mortal; embora se julgue contrita, deve a pessoa purificar-se, antes, pela Confissão sacramental, contanto que haja a presença de um sacerdote.
Sentimentos de humildade
Afinal, devemos considerar, no silêncio de nossas almas, quanto somos indignos desta divina mercê que o Senhor nos dispensa. De todo o coração, repetiremos aquelas palavras do Centurião, a cujo respeito o próprio Salvador disse que não havia encontrado tanta fé em Israel: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa” (Mt 8, 8-10).
Vejamos, outrossim, se podemos fazer nossa aquela declaração de São Pedro: “Senhor, Vós sabeis que eu Vos amo” (Jo 21, 17). Pois não devemos esquecer: Aquele que, “sem a veste nupcial tomara lugar no banquete do Senhor, foi lançado num cárcere tenebroso” (Mt 22, 11), e condenado a penas eternas.
C) Preparação do corpo
De mais a mais, não só a alma, mas também o corpo precisa de certas disposições. Para nos aproximarmos da Sagrada Mesa, devemos estar em jejum, de sorte que não tenhamos comido nem bebido nada em absoluto, desde a meia-noite antecedente até o momento de recebermos a Sagrada Eucaristia (*atualmente, basta uma hora de jejum antes da Comunhão).
Requer ainda a dignidade de tão sublime Sacramento que as pessoas casadas se abstenham por alguns dias, a exemplo de Davi que, antes de receber do sacerdote os pães de proposição, afiançou que ele e seus soldados, desde três dias, estavam longe das esposas.
São estas, pouco mais ou menos, as condições principais que os fiéis devem levar em conta, a fim de se prepararem para uma frutuosa recepção dos Sagrados Mistérios. Outras disposições ainda, que se refiram à preparação, podem facilmente reduzir-se aos pontos já especificados.
IX. 3. Freqüência da Comunhão
A) A desobriga da Páscoa
Para evitar que alguns talvez se descuidem de receber este Sacramento, por acharem dura e incômoda tão grande preparação, devem os pastores advertir muitas vezes os fiéis da existência de um preceito que obriga todos a receberem a Sagrada Eucaristia. Além disto, determinou a Igreja que de seu grêmio seja excluído quem não comungar ao menos uma vez cada ano, por ocasião da Páscoa
(* esta pena de excomunhão foi abolida).
B) comunhão freqüente, até diária
Não se contentem os fiéis de receber o Corpo de Nosso Senhor uma única vez cada ano, para se submeterem à determinação do decreto. Persuadam-se, pelo contrário, de que é preciso fazer mais vezes a Comunhão Sacramental. Todavia, não se pode dar a todos uma norma determinada, se lhes é mais aconselhável comungar todos os meses, todas as semanas, ou todos os dias. Ainda assim, temos por muito acertada aquela regra de Santo Agostinho: “Faze por viver de tal modo, que possas comungar todos os dias”.
Será, pois, um dever do pároco exortar, assiduamente, os fiéis a que se não descuidem de alimentar e fortalecer, todos os dias, as suas almas pela recepção deste Sacramento, do mesmo modo que também julgam necessário proporcionar ao corpo uma alimentação diária. Compreende-se, perfeitamente, que a alma não tem menos necessidade do alimento espiritual, que o corpo do sustento material.
Neste passo, será de muito proveito lembrar-lhes, de novo, os imensos benefícios divinos, que nos obtém a Comunhão Sacramental da Eucaristia, conforme já ficou provado anteriormente.
Acrescente-se também aquela figura do “maná, que devia refazer todos os dias as forças do corpo” (Ex 16, 4ss). Da mesma forma, vejam-se as declarações dos Santos Padres, que muito encareciam a recepção freqüente deste Sacramento. Entre os Padres da Igreja, Santo Agostinho não era o único a perfilhar a seguinte doutrina: “Tu pecas mesmo todos os dias. Comunga, pois, todos os dias”. Quem investigar atentamente, há de logo reconhecer uma perfeita conformidade de doutrina entre todos os Santos Padres, que se ocuparam do assunto em suas obras.
C) Histórico da recepção da Comunhão
Antigamente, conforme se deduz dos Atos dos Apóstolos, houve tempos em que os fiéis recebiam todos os dias a Eucaristia. Todos os que professavam a fé cristã, ardiam em tão real e sincera caridade que, entregues continuamente a orações e outros exercícios da religião, tinham todos os dias as devidas disposições, para receberem o Santo Sacramento do Corpo de Nosso Senhor.
Esse costume, que estava em visível decadência, foi mais tarde parcialmente restaurado por Santo Anacleto, Papa e mártir, quando ordenou que, à Missa, comungassem os ministros assistentes, afirmando ser tal exigência de instituição apostólica.
Na Igreja, houve também por muito tempo o costume que, ao terminar o Sacrifício, o sacerdote, depois de sua própria Comunhão, se volvesse ao povo ali presente, e convidasse os fiéis para a Sagrada Mesa, dirigindo-lhes estas palavras: “Vinde, irmãos, à Comunhão!”. Então, os que estavam preparados, recebiam os Santos Mistérios com a maior piedade.
Mais tarde, arrefecendo o amor e a devoção, a ponto de serem muito raros os fiéis que freqüentavam a Sagrada Eucaristia, decretou o Papa Fabiano recebessem todos a Comunhão três vezes por ano, no Natal do Senhor, na Ressurreição, e em Pentecostes.
Depois, foi esta determinação confirmada por muitos Concílios, mormente pelo Primeiro Concílio de Agda. Por último, como os fiéis chegassem ao extremo de não só abandonar a observância daquele salutar preceito, mas até de diferir por muitos anos a Comunhão da Sagrada Eucaristia, prescreveu o Concílio de Latrão que todos os fiéis recebessem o Sagrado Corpo de Nosso Senhor, ao menos uma vez cada ano, por ocasião da Páscoa; e que fossem excluídos do grêmio da Igreja todos aqueles que o deixassem de fazer.
A Comunhão das crianças
Promulgada pela autoridade de Deus e da Igreja, essa obrigação abrange todos os fiéis. Muito embora, devem os pastores ensinar que dela estão excetuados todos aqueles que, por insuficiência de idade, ainda não chegaram ao uso da razão. Estes não sabem distinguir a Sagrada Eucaristia do pão comum e profano, nem podem conciliar, para a sua recepção, a devida piedade e reverência.
Isto parece também muito contrário ao que Cristo Nosso Senhor declarou com as palavras da instituição: “Tomai e comei”, diz Ele. Ora, sabemos perfeitamente que as criancinhas em tenra idade não são ainda capazes de “tomar e comer”.
Houve, sim, em alguns lugares um costume antigo de dar-se a Sagrada Eucaristia também às criancinhas. Mas a autoridade da Igreja fez, desde muito, cessar esse costume, já pelas razões que acabamos de alegar, já por outros motivos que muito condizem com os sentimentos da piedade cristã.
Quanto à idade, em que se devem ministrar às crianças os Sagrados Mistérios, ninguém poderá melhor determiná-la, senão o próprio pai, ou o sacerdote a quem elas confessam os seus pecados. A eles, pois, compete averiguar, por perguntas feitas às crianças, se já possuem alguma noção deste admirável Sacramento, e o gosto de recebê-lo.
A Comunhão de dementes
Não se deve, muito menos, dar o Sacramento aos alienados, que na ocasião forem incapazes de sentimentos de piedade. Ainda assim, por decreto do Concílio de Cartago, se antes da demência demonstraram sinceras disposições de fé e piedade, será lícito dar-lhes a Eucaristia na hora da morte, contanto que não haja nenhum perigo de vômito, ou de qualquer outra profanação ou inconveniência.
A Comunhão debaixo de ambas as espécies
Acerca do rito da Comunhão, digam os párocos que a lei da Santa Igreja proíbe a todo cristão tomar a Sagrada Eucaristia, em ambas as espécies, a não ser que tenha autorização da mesma Igreja. Excetuam-se os sacerdotes, quando consagram o Corpo do Senhor, no Santo Sacrifício.
Como declarou o Concílio de Trento, ainda que Cristo Nosso Senhor, na Última Ceia, instituiu este augusto Sacramento sob as espécies de pão e de vinho, e assim o administrou aos Apóstolos, daí não se segue que Nosso Senhor e Salvador estabelecesse a obrigação de se dar, a todos os fiéis, os Sagrados Mistérios em ambas as espécies.
Pois, ao falar deste Sacramento, Nosso Senhor aludia muitas vezes a uma só espécie, quando, por exemplo, declarou: “Se alguém comer deste Pão, viverá eternamente”; “O Pão que Eu darei, é a Minha Carne para a vida do mundo”; “Quem come deste Pão, viverá eternamente” (Jo 6, 52-59).
Compreende-se, desde logo, serem muitas e gravíssimas as razões que induziram a Igreja, não só a confirmar o costume de se preferir a Comunhão debaixo de uma só espécie, mas a torná-lo até obrigatório, pela promulgação de uma lei propriamente dita.
Em primeiro lugar, impunha-se a máxima precaução, para que se não derramasse por terra o Sangue de Nosso Senhor. Isto, porém, parecia difícil de evitar, quando fosse necessário ministrar o [Santíssimo Sangue] a uma grande multidão de povo.
Depois, como a Sagrada Eucaristia devia estar sempre de reserva para os enfermos, grande perigo havia de azedarem-se as espécies de vinho, se fora preciso guardá-las por mais tempo.
Além disso, muitas pessoas não podem de modo algum tolerar o sabor, nem sequer o cheiro do vinho. Ora, para não tornar nocivo ao corpo, o que se deve ministrar para a saúde da alma, com muito acerto determinou a Igreja que os fiéis somente comungassem sob as espécies de pão.
A estas e outras razões acresce que, em muitas paragens, há grande escassez de vinho, o qual só pode ser importado de outros lugares, com avultadas despesas, em longas e difíceis vias de transporte.
Afinal, a mais imperiosa de todas as razões era extirpar a heresia daqueles que negavam a presença total de Cristo em cada uma das espécies, afirmando que na espécie de pão só se contém o Corpo sem o Sangue, e o Sangue só na espécie de vinho. E assim, para que melhor transparecesse, aos olhos de todos, a verdade do dogma católico, introduziu-se com muito critério a Comunhão debaixo de uma só espécie, por sinal que na espécie de pão.
Existem ainda outras razões, colhidas pelos autores que tratam deste assunto mais em particular. Os párocos poderão aduzi-las, se o julgarem conveniente.
Embora seja matéria que ninguém desconhece, vamos agora discorrer acerca do ministro [da Eucaristia], para não deixar fora nenhum ponto que pertença à doutrina deste Sacramento.
X. MINISTRO DA EUCARISTIA – O SACERDOTE
Devemos, pois, ensinar que só aos sacerdotes foi dado poder de consagrar a Sagrada Eucaristia, e de distribuí-la aos fiéis cristãos. Sempre foi praxe da Igreja que o povo fiel recebesse o Sacramento pelas mãos dos sacerdotes, e os sacerdotes comungassem por si próprios, ao celebrarem os Sagrados Mistérios. Assim o definiu o Santo Concílio de Trento; e determinou que esse costume devia ser religiosamente conservado, por causa de sua origem apostólica, e porque também Cristo Nosso Senhor nos deu o exemplo, quando consagrou Seu Corpo Santíssimo, e por Suas próprias mãos O distribuiu aos Apóstolos.
De mais a mais, com o intuito de salvaguardar, sob todos os aspectos, a dignidade de tão augusto Sacramento, não se deu unicamente aos sacerdotes o poder de administrá-lo: como também se proibiu, por uma lei da Igreja, que, salvo grave necessidade ninguém sem Ordens Sacras ousasse tomar nas mãos ou tocar vasos sagrados, panos de linho, e outros objetos necessários à confecção da Eucaristia.
Destas determinações podem todos, os próprios sacerdotes e os demais fiéis, inferir quão virtuosos e tementes a Deus devem ser aqueles que se dispõem a consagrar, a ministrar, ou a receber a Sagrada Eucaristia.
Isto não obstante, se dos outros Sacramentos já dizíamos que podem ser [validamente] administrados por sacerdotes indignos, quando estes observam os requisitos necessários para a sua confecção, outro tanto se deve dizer também com relação ao Sacramento da Eucaristia.
Pois devemos crer firmemente que todos esses efeitos sacramentais não se baseiam no mérito pessoal dos ministros, mas se operam na virtude e poder de Cristo Senhor Nosso. São estes os pontos que se devem explicar acerca da Eucaristia, considerada como Sacramento.
0 comentários:
Postar um comentário